Uma das promessas de campanha do presidente Barack Obama foi proteger a liberdade na internet. Em dezembro de 2010, pode-se dizer que o presidente dos Estados Unidos não está a cumprir esse compromisso.
ARTIGO | 26 DEZEMBRO, 2010 - 02:50 | POR AMY GOODMAN
Acaba de ser aprovada uma norma sobre neutralidade na rede que é considerada desastrosa pelos activistas da internet. A proposta apresenta vazios legais que deixam a porta aberta a todo o tipo de abusos no futuro, o que permite que empresas como AT&T, Comcast, Verizon e os grandes provedores de serviços na internet decidam que sites funcionarão, quais não e quais poderão receber um tratamento especial.
Uma das promessas de campanha do presidente Barack Obama foi proteger a liberdade na internet. Ele disse em novembro de 2007: “Assumirei pessoalmente o compromisso com a neutralidade da rede, porque quando os provedores começam a privilegiar alguns aplicativos ou sites acima de outros, as vozes menores são silenciadas e todos perdemos. A internet é possivelmente a rede mais aberta da história e devemos mantê-la assim”.
Voltemos a dezembro de 2010, momento em que Obama claramente não está a assumir esse compromisso, motivado por gigantes como AT&T, Verizon e Comcast. Junto a ele encontra-se o presidente da Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sua sigla em inglês), Julius Genachowski, companheiro de Obama na Faculdade de Direito de Harvard e nas quadras de basquete, que acaba de conseguir a aprovação de uma norma sobre neutralidade da rede que os activistas da internet consideram desastrosa.
O director da revista Free Press, Craig Aaron, afirmou: “Essa proposta parece repleta de vazios legais que deixam a porta aberta a todo tipo de abusos no futuro, o que permitiria que empresas como AT&T, Comcast, Verizon e os grandes provedores de serviços na internet decidam que sites funcionarão, quais não e quais poderão receber um tratamento especial”.
Para o comediante eleito senador, Al Franken, democrata por Minnesotta, as novas normas sobre neutralidade da rede não devem ser tomadas como uma brincadeira, já que as mesmas podem permitir a redes móveis como AT&T e Verizon Wireless bloquear por completo certos conteúdos e aplicativos quando quiserem. Franken deu o seguinte exemplo: “Talvez você goste do Google Maps. Bom, é uma pena. Se a FCC aprova esta norma, a Verizon poderá cortar o acesso a esse aplicativo no seu telefone e obrigá-lo a usar o seu próprio programa de mapas, Verizon Navigator, ainda que não seja tão bom e ainda que tenha que pagar para utilizá-lo, já que o Google Maps é gratuito. Se as empresas tiverem permissão para priorizar conteúdo na internet ou para bloquear aplicativos no iPhone, não há nada que impeça essas mesmas empresas de censurar um discurso político”.
A AT&T é um dos conglomerados que, segundo os activistas, praticamente redigiu as normas da FCC promovidas por Genachowski. Já fomos testemunhas de mudanças radicais desse tipo. Semanas antes de sua promessa de neutralidade na rede, realizada em 2007, o então senador Obama contratou a AT&T, que foi denunciada por participar de escutas telefónicas sem ordem judicial contra cidadãos estadunidenses a pedido do governo de Bush. A AT&T queria imunidade judicial retroactiva. O porta-voz da campanha de Obama, Bill Burton, disse a Talking Points Memo: “Para ser claro: Barack apoiará a obstrução de qualquer projecto de lei que inclua a imunidade retroactiva às empresas de telecomunicações”.
Mas, em julho de 2008, um mês antes da Convenção Nacional Democrata, quando Obama era o possível candidato à presidência, ele não somente não obstruiu, mas também votou a favor do projecto de lei que outorgou imunidade judicial retroactiva às empresas de telecomunicações. A AT&T conseguiu o que queria, e rapidamente mostrou o seu agradecimento. A bolsa oficial entregue a cada delegado da convenção trazia estampado um grande logo da AT&T. A empresa organizou uma festa para os delegados, à qual a imprensa não teve acesso, para festejar que o Partido Democrata havia firmado a sua liberdade.
AT&T, Verizon, a gigante de televisão a cabo Comcast e outras empresas, expressaram o seu apoio à nova norma das FCC. Os aliados democratas de Genachowski na comissão são Michael Copps e Mignon Clyburn (filha do líder da maioria da Câmara de Representantes, James Clyburn). Novamente, Criag Aaron, da Free Press, registrou:
“Entendemos que Copps e Clyburn tentaram melhorar essas normas, mas Genachowski negou-se a ceder, aparentemente devido ao facto de que já havia firmado um acordo com a AT&T e os lobbistas da tv a cabo acerca do alcance das normas”.
Clyburn advertiu que as normas poderiam permitir que os provedores de internet móvel adoptem práticas discriminatórias e que as comunidades pobres, em particular afroestadunidenses e latinos, usem os serviços de internet móvel mais que as conexões a cabo.
Craig Aaron considera lamentável o poder dos lobbistas da indústria de telecomunicações e de tv a cabo em Washington: “Nos últimos anos deslocaram 500 lobbistas, basicamente um para cada membro do Congresso, e isso é somente o que declaram abertamente. A AT&T é a empresa que doou mais dinheiro para campanhas políticas em toda a história. E a Comcast, a Verizon e as outras grandes empresas não ficam atrás. Estamos realmente a ver esse jogo aqui. Mais uma vez, os grandes interesses empresariais estão a utilizar a sua influência, as suas contribuições para as campanhas, para eliminar qualquer ameaça ao seu poder, a seus planos para o futuro da internet. Quando a AT&T quer reunir todos os seus lobbistas, não há uma sala que abrigue a todos. Tiveram que alugar uma sala de cinema. As pessoas que representam o interesse público e que lutam pela internet livre e aberta aqui em Washington ainda podem compartilhar o mesmo táxi.
O dinheiro das campanhas eleitorais é, mais do que nunca, o que mantém vivos os políticos estadunidenses, e podem estar certos que Obama e os seus assessores estão a pensar na eleição de 2021, que provavelmente será a mais cara da história dos Estados Unidos. Acredita-se que o uso enérgico e inovador da internet e das tecnologias de telemóvel ajudaram Obama a assegurar sua vitória em 2008. À medida que a internet aberta é cada vez mais restringida nos Estados Unidos, e que as empresas que controlam a internet se tornam cada vez mais poderosas, é possível que não exista essa participação democrática por muito mais tempo.
Amy Goodman - Democracy Now
(*) Denis Moynihan colaborou na produção jornalística dessa coluna
Tradução: Katarina Peixoto
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